29.7.10

Interseções cotidianas


- O que você tem a me dizer sobre a solidão? - com olhar de clemência, perguntou o cão a seu dono.

Há anos aguardando essa resposta, ele observava atento seu mestre, que comia batatas chips no sofá. Como de praxe, as respostas não vinham. Então, para passar o tempo, o pulguento resolveu se limpar, lambendo as patas, as axilas caninas e o saco. Cansado da posição, virou a barriga para o céu e passou a se remexer de forma inquieta e a emitir sons estranhos. Era o lombo que coçava. E somente a pontinha do tapete de pêlo sintético podia colocar fim àquele terrível incômodo.

E no exato momento em que a coceira se findou, um som à porta chegou às orelhas do nosso simpático e inteligente dog. Era a sua dona quem entrava. Trazendo a tiracolo um dono filhote e uma sacola plástica com roscas de polvilho. Ela parecia brava, muito brava. E sem ao menos lhe dar o costumeiro olá de chegada, dirigiu-se a seu dono num nítido tom de indignação:

- O que você me diz sobre o abandono? - apenas observando, o cão riu ironicamente e antecipou-se:
- Ele não vai responder. Ele não sabe o que é isso.

Mas, mais do que responder, ele falou. Falou transparecendo uma aura diferente. Uma aura alaranjada. E mais do que dizer algo, ele desabafou:

- Abandono? Você quer saber o que é abandono? Isso é abandono - apontando para o balcão do bar, onde estava um Peixe Beta, que completara 6 anos na residência.

A dona observou em silêncio e suspirou num tom de conformismo. O beta também parecia conformado. Já o dono se sentia convicto.

E o cão, por pertencer a uma raça de médio porte, nunca conseguiu avistar o que havia sobre aquele balcão do bar. E continuou se considerando o mais solitário daquele grupo.

2 comentários:

Alho man disse...

Pobre cão. Aí as pessoas os veem transando com o sofá e não sabem porque.

Anônimo disse...

Só 2 posts esse ano... Vc deveria ter vergonha de chamar isso de blog!!! Vou te xingar muito no twitter.